Quando me
falaste em descrever aquilo que faz parte do nosso processo vem me logo à
cabeça alguns temas que tem de estar destacados: o Clube; o contexto de Equipa/Escalão/Jogadores; Morfociclo Padrão.
Apesar de
segmentar temas porque me facilitam a vida na construção deste texto, não posso
deixar de destacar que tudo o que fazemos e a forma como analisamos as coisas
são sempre precedidos de uma visão holística onde tudo tem a haver com tudo.
O Clube
Independentemente de estar nos S12 ou nos S17, o SC Braga tem uma identidade bem definida e esse tem que ser o ponto de partida de qualquer processo dentro do clube. Obviamente que é impossível falar de identidade sem ter intrinsecamente os Grandes Princípios de jogo chave bem definidos. Dominar o jogo com bola, acelerar a bola sempre que possível para chegarmos a zonas em que podemos criar oportunidades mais à frente, dominar a partir dos três corredores, pressionar o mais à frente possível e reagir à perda de forma rápida e agressiva são alguns desses que consideramos inegociáveis. Depois cada equipa técnica deverá ter não só a liberdade como também a sensibilidade para ajustar da melhor forma possível tudo aquilo que deve ser contemplado para que haja uma articulação com sentido dentro dos processos (escolha de sub-principios que sirvam de ligação entre os nossos grandes princípios dentro de todos os momentos de jogo, estruturas a utilizar, entre outras coisas).
Há outra
coisa que não pode ficar para trás quando destaco esta identidade de clube: a
Mentalidade ultra competitiva. A promoção do ADN dos “Guerreiros do Minho” tem
que ser uma constante quando criamos contextos dentro das nossas equipas.
Contexto de Equipa/Escalão/Jogadores
Não gosto
muito de definir este escalão como sendo algo fechado, como se todas as épocas
os miúdos que passam por este escalão tenham que fazer exatamente as mesmas
coisas e as preocupações sejam exatamente as mesmas. Não faz sentido. Aliás
nenhum contexto no futebol é linear. O que posso dizer é que é um escalão que
compete essencialmente em jogos de futebol de 9 e de futebol de 7/8 em termos
oficiais, seja no campeonato ou em torneios, e que é também um escalão que está
próximo de fixar em competições formais de futebol de 11 e nós temos que ter
preocupações claras em preparar os miúdos para conseguirem adaptar-se aos
diferentes contextos. Na minha opinião só há uma forma de o fazer: trabalhar
para a nossa identidade desde o 1º dia respeitando sempre o Supra Principio da
Especificidade.
É a partir daqui que temos de procurar compreender o que é concreto na nossa equipa e começar a montar as coisas. Não adianta pensar em fechar já algo que vá além daquilo que é o essencial do jogo. O normal é arrancarmos logo no primeiro treino com competições, seja de 1vs1, 2vs2...9vs9, sustentado em coisas simples como meinhos, patalecas, jogos de finalização, entre outros, que nos permitam ir recuperando dentro do treino. Gosto sempre de conhecer os miúdos na sua natureza e para mim só é possível através de jogo livre e espontâneo com diferentes relações (isto para mim é transversal a praticamente todos os escalões de formação).
Vamos
valorizando o jogo, a competição, a importância de contribuir para marcar,
sofrer e sermos nós a mandar no jogo com bola, aspetos que vão estar inerentes
a tudo o que fazemos ao longo de toda a época, mas sem pré-definir nada, mesmo
em termos de posições (claro que temos um ponto de partida, sabemos quais são
as posições por onde os miúdos mais vezes passam e procuramos respeitar, mas
gostamos que o corpo deles passe por diferentes estímulos naturalmente e a
partir do jogo). Mas mais do que fechar a questão das posições é fechar
comportamentos por posição. Este ano jogamos em 1-2-3-3 e é naturalíssimo veres
os nossos Defesas Centrais a progredirem com e sem bola por fora ou até por
dentro. Escolhemos o 1-2-3-3 porque acreditamos que tem muita gente à frente, é
um estrutura com um ponto de partida desequilibrado e gostamos de sujeitar os
nossos jogadores a esses desconfortos naturais – tem ganhos em termos de
abrangência, mobilidade, diferentes jogadores a aparecer em zonas, etc...).
Algo que tem que ficar bem esclarecido é a questão do jogo livre. Costumamos dizer que preferimos um jogo “sujinho” em que há muito caos, muita verticalidade, em que o jogo se parta mesmo, do que um jogo “limpinho” onde há um controlo gigantesco em termos coletivos. Nós valorizamos muito a capacidade de auto-regulação. Procuramos garantir que aquilo que faz parte da evolução em termos de perceção coletiva seja uma constante, quanto mais não seja através de feedback interrogativo ou da valorização clara em termos do que pretendemos em termos de Grandes Princípios. A partir daqui deixamos mesmo que eles interpretem, interajam, sintam, explorem e lidem com os erros. É habitual, durante formas mais formais, tocarmos essencialmente em questões de mentalidade mais do que tudo o resto. Temos de aprender a confiar neles e naquilo que o jogo lhes dá. Deixamos claro que aquilo que não pode acontecer é jogadores a jogarem à sorte, a estarem desligados e sempre na expectativa, a partir daqui há treinos em que eles se ligam e criam situações quase sempre a dois toques, há outros em que o jogo parece um turbilhão e nós acreditamos que os dois estímulos são importantes.
Naturalmente, à medida que o processo vai evoluindo, vamos criando cada vez mais diferentes propensões para aprimorar aquilo que achamos crucial, não só do ponto de vista mais Macro como também Micro. Acredito que todos os processos funcionem assim, na direção da progressão complexa do jogar. Uma coisa que posso destacar que nós vamos fazendo é estar constantemente a analisar cada um deles e perceber o que eles precisam no momento. Há jogadores que precisam de jogar em diferentes posições para interpretarem o jogo de um ângulo diferente e de ter um processo super aberto. Há outros que para desbloquearem alguma coisa precisam de se fixar e até ter uma maior supervisão nossa. O que quero dizer é que a própria liberdade pode ser castradora para alguns jogadores, pelo menos momentaneamente. A Especificidade é uma coisa muito concreta e que está em constante evolução/mutação, temos que entender isso. Até no exercício tu podes sentir isso. Quanto mais comprometidos eles estão e à medida que o nível de desempenho deles vai aumentando, mais teremos que ajustar tempos de exercitação, espaços, etc...e isso tu só sentes no momento, mas tens que estar preparado para saber ajustar. A riqueza do treino é mesmo essa, é um organismo vivo em constante transformação.
Para terminar este ponto tenho claro que dizer que apesar de estarmos a falar de miúdos excecionais e eu por si só, são a melhor propensão que podem ter pois jogam uns contra os outros constantemente no treino, mas não deixam de ser miúdos de 11 anos. Não podemos deixar de procurar aprimorar e criar densidade de momentos em que eles tenham que ser obrigados a sobreviver através de engano, drible, tirar da frente, proteger, etc...Queremos que todos eles tenham a capacidade para desequilibrar e de diversas formas. Sabendo que até um passador pode desequilibrar, valorizamos obviamente tudo aquilo que nos faz estar mais perto de marcar golo, dando muita liberdade de expressão aos miúdos. O que fazemos para que todos precisem de driblar, conduzir, pressionar, defender em inferioridade? Recorremos obviamente a formas jogadas mais reduzidas (não necessariamente em termos de espaço) e onde sejam claras essas necessidades. Mas tudo tem que desaguar no que é natural ao jogo. Simplesmente queremos fazer mais e melhor do que todos os outros! Essa vai ser sempre a nossa perseguição. Daqui nascem também muitos lideres dentro do grupo, muita capacidade para comunicarem e cobrarem e sobretudo, um espirito de equipa e de confiança gigantesca.
Sem prazer
e sem emoção não há aquisição e desenvolvimento! Isto não é secundário e quem
achar o contrário... o corpo tem que se transcender sobre a tarefa e para isso
os jogadores tem que ter níveis de iniciativa gigantescos dentro daquilo que
estão a fazer. Não controlemos por eles mas sim com eles! Incentivar dentro da
competição é algo essencial. Dou-te o caso da utilização do pé não dominante.
Não dizendo que nunca fizemos coisas muito simples só para que haja o simples
toque na bola com esse pé, procuramos muito mais gerar exercícios onde haja
essa emergência ou valorização. E depois sempre que eles arriscam algo, por
mais simples que seja, com esse pé ou a rodar sobre esse lado do corpo, nós
aplaudimos a iniciativa. Acaba por ser natural que em jogo (e quanto mais
competitivo for melhor) surja a necessidade de eles resolverem os problemas com
maior variabilidade. Os ajustes corporais para disputarem, para além de serem
deles, passam a fazer sentido, tornando-se em algo variável (diferentes formas
de passar, rematar, driblar, espontaneidade para desequilibrar) dentro de uma
intencionalidade macro padrão (progredir, guardar bola, atacar vantagens
espaciais, etc...
Morfociclo Padrão
Momentos normais: 3 treinos de 90 min por semana (3ª, 4ª e 6ª das 19:00 às 20:30) mais dois jogos ao fim de semana (sábado ou domingo)
Importante desde logo perceber a relação entre
6ª feira e o fim de semana. Há momentos em que jogamos ao Sábado às 09:00h e,
sendo que treinamos na 6ª feira de noite, temos que ter mais preocupações para que
não haja muito desgaste, sem perdas de potencial aquisitivo, mesmo que seja
simplesmente do ponto de vista técnico. Nesta situação optamos muitas vezes por
criar contextos em que o tempo de exercitação seja mais reduzido mas com grande
densidade por jogador. Como garantir isto? Fazemos muitas vezes competições de
sprint Puro em formato de 1vs1 ou 1vs1vs1 e com diferentes distâncias, primeiro
porque garantimos claramente que todos passam por momentos de velocidade máxima
e de forma competitiva e depois porque é uma forma rápida de o fazermos,
podendo avançar para exercícios jogados. Quando passamos para esses exercícios,
procuramos ter em conta 1 ou 2 aspetos que queiramos treinar, garantindo uma
maior propensão dos mesmos durante todo o treino. Geralmente acabamos por tocar
mais em aspetos individuais ou grupais, pois as relações que utilizamos em
quase todos os exercícios tem poucos jogadores envolvidos. É também um treino
em que geramos maior densidade de momentos de Transição Ofensiva e Defensiva,
quanto mais não seja pela questão de haver menos gente envolvida, o que dá menos
segurança à bola e com isso mais perdas e ganhos da mesma. Utilizamos muito
exercícios com balizas formais e Gr e onde quem ataca parte em superioridade
numérica de forma a que aconteça muitos mais vezes ataques em velocidade e com
pouca duração, não permitindo que o exercício entre maioritariamente num regime
de tensão muscular invés de velocidade. Outra coisa que fazemos muito e que nos
permite estar a jogar sem que haja grande desgaste é fazer jogo com relações
numéricas grandes (7vs7+1 por exemplo) em campo pouco profundo mas com alguma
largura, garantindo muitos momentos de criação e finalização em contextos mais
diversos sem permitir que o jogo seja demasiado cavalgado e com menor desgaste
físico – emocionalmente estão sempre ligados e a competir, mas a densidade por
jogador acaba por diminuir relativamente aos jogos de velocidade que
utilizamos. Importa claro que haja mais do que duas equipas em competição e que
os tempos de jogo sejam reduzidos. Por fim, utilizamos muito estratégias
complementares para garantir que não há desgaste neste dia mas que ao mesmo
tempo eles passam por contextos mais diversos, utilizando muito jogos de bola
no ar: futevoleis, 5vs5 em campo reduzido em que a bola tem que andar sempre no
ar, 3vs3 com 2 apoios a cruzar de fora, etc...
Quando
jogamos ao Domingo acabamos por poder tomar outro tipo de opções, não perdendo
na mesma questões essenciais como garantir momentos de velocidade máxima e de
garantir que vamos chegar frescos ao jogo. Outra questão que pode diferenciar
aquilo que fazemos em função do contexto de fim de semana é a fase da época em
que nos encontramos. Este ano jogamos numa 1ª fase em que a maioria dos jogos
não tinham a exigência que queríamos e por isso acabávamos por cobrar e criar
contextos mais desgastantes na sexta-feira do que aqueles que apanhávamos ao
fim de semana. Tivemos uma segunda fase mais exigente em termos de dificuldade
dos jogos e aí já nos preocupamos mais em não gerar demasiado desgaste. E por
fim tivemos uma fase em que o campeonato acabou e começamos a ter imensos
torneios ao fim de semana, acabando por abdicar várias vezes do treino de 6ª
feira.
Na 4ª
feira era o dia em que garantíamos maior densidade de jogo formal, começando
quase sempre com jogos mais curtos com relações intermédias de forma a podemos
promover alguns sub-princípios do nosso jogar, relações entre setores, etc...
antes de passarmos para a formalidade do 9vs9, promovendo um maior aparecimento
daquilo que pretendíamos para aquele dia e garantindo que não havia demasiado
desgaste acumulando antes de passarmos para o 9vs9, que para além de ser o
momento mais exigente da nossa semana, era também precedido de um treino de 3ª
feira sempre altamente exigente. Aproveitamos muito o 9vs9 para promover
exercícios complementares de finalização para os miúdos que estavam fora do
jogo. Dia da duração em termos de recrutamento das fibras musculares.
Aspetos que não posso deixar de referir e que estão na nossa matriz:
- Todos os
treinos tinham de ter inerentemente os nossos Grandes Princípios presentes. Não
conseguimos criar contextos em que não haja grande valorização de questões como
contribuir para marcar e não sofrer, guardar bola, entre outros aspetos...ou
seja o jogo, o competir, o ter a capacidade de interpretar tem que estar
presente em todos os treinos e com uma densidade gigantesca! Utilizamos algumas
formas lúdicas e até mesmo isoladas para que conseguíssemos garantir diferentes
estímulos corporais, procurando sempre que tivesse um ímpeto de desafio e de
forte ligação emocional pois só assim eles sentem a necessidade de se
transcenderem nestas tarefas – aumentar graus de liberdade e contribuir para
uma forte consciência corporal para que não tenham receios mas sim confiança;
- Todas as
semanas eram planeadas tendo em conta uma reflexão prévia sobre o que queríamos
promover como acrescento sem nunca empobrecer o já antes estabelecido e
trabalhado. Adquirir sem retirar. Aqui entra não só a capacidade de
encontrarmos soluções através do principio das propensões como também o
feedback do treinador, fundamentado naquilo que hierarquizamos como essencial
mas sempre com a consciência do aqui e agora;
- Tudo o
que fazemos tem que ser altamente competitivo e fluído. Não há treino que não
tenha um campeão, mesmo que seja no jogo do galo. Para nós sempre foi claro de
que este não seria o único ano de formação deles e que seria errado termos uma
ideia prévia demasiado grande, cheia de informação e muito “futebolês”. A ideia
é os miúdos terem muita influência na forma como construímos o processo e
sobretudo terem uma capacidade de auto regulação muito grande, até porque o
jogo não é linear e os jogadores também não, permitindo que os miúdos se
familiarizassem com as suas próprias formas de resolver os problemas mais Micro
do jogo a uma velocidade cada vez mais rápida (lógica de instinto, no jogo e
principalmente em cima da zona da bola, há sempre menos tempo para pensar, os
jogadores não podem ir sempre com dúvidas, tem que estar prontos para ter iniciativa
e reagir prontamente à capacidade dos adversários conseguirem superar a sua
oposição);
-
Utilizamos muito o feedback positivo para que eles desenvolvam índices de
confiança grande. Questionamos muito mais do que indicamos. Apelamos muito ao
sentido de “família” para que eles sejam altruístas e se valorizem muito uns
aos outros. Valorizamos sempre a necessidade de eles serem interventivos em
campo e não dependerem do feedback constante do treinador. E temos a clara
consciência de que isto só é possível tendo em conta que temos de ser
pacientes, tolerantes ao insucesso e de
que a evolução precisa sempre de tempo. Tudo o que fizemos foi sempre para
desenvolver a nossa equipa e os nossos jogadores, não trabalhamos sobre fases
de evolução nem damos maior enfase a nenhuma dimensão do rendimento. Temos é
sensibilidade para nos situarmos e percebermos o que vai sendo mais importante
para que eles evoluam, sendo que as prioridades apesar de serem analisadas em
jogo nunca foram provocadas meramente pelo jogo anterior ou seguinte;
-
Procuramos ter muitas semanas em que a formalidade do jogo e da competição
aparecesse a meio da semana também, não só porque é essencial de todo o nosso
processo, como também nos ajuda a avaliar mais vezes o que pretendemos e claro,
é altamente motivante e estimulante para os nossos jogadores. Jogamos imensas
vezes com os U11 do clube, seja em formato torneio, campeonato ou simplesmente
confronto direto. Jogamos contra equipas de futebol feminino do clube mais
velhas (fut 9 e fut 11). Jogamos contra os S13 do clube (fut 9 e fut 11). E
esta interação acabou por ser incrivelmente rica para todos, alargando-se claro
a um número grande de treinos em que os nossos jogadores iam treinar aos S13 e
os S11 vinham treinar à nossa equipa, isto é muito importante.
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