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À procura da dose mínima


 

Nuno Borges começou o seu percurso como analista no Mortágua FC na época 2016/2017, fazendo o último ano no clube em 2020/2021. Pelo meio, treinou também o escalão de traquinas do clube, tendo feito ainda parte da Briosa Talent, um programa de desenvolvimento individual da Académica OAF. Fazia parte da equipa técnica do Mortágua FC que, em 2019/2020, quando alinhava na distrital, eliminou o Anadia FC para a Taça de Portugal, tendo sido eliminado pelo FC Penafiel no prolongamento. Na última época, foi analista dos juniores do Amora FC.


Iniciei o meu percurso como analista no clube da minha terra, Mortágua Futebol Clube, na época 2016/2017 e durante 5 épocas desempenhei esta função, trabalhando assim no Campeonato de Portugal e na Divisão de Honra da AF Viseu. Na última época, a meio da temporada, surgiu a possibilidade de me juntar à equipa de juniores do Amora que disputou a 1ª Divisão Nacional de Juniores. Entretanto licenciei-me em Ciências do Desporto na FCDEF-UC e estou, neste momento, a tirar o mestrado em Treino Desportivo na FMH. A esta função junta-se a de scout, decorrente das análises feitas a cada jogador das equipas que fui observando tanto na observação dos adversários como dos campeonatos da região centro.

Nos primeiros anos como analista o meu trabalho consistiu em analisar os jogos da minha equipa e dos adversários. Contudo, o meu trabalho era pouco moldado ao modelo de jogo da equipa em que estava inserido, tanto na análise da própria equipa como na análise ao adversário. Para além disso, a ligação da análise ao treino não era tão coerente como deveria ser, vicissitudes decorrentes da minha falta de conhecimento aliada à inexperiência de alguém que lidava com jogadores com o dobro da minha idade. Nas últimas épocas já estive muito mais presente em contexto de treino e a repercussão do trabalho de observação no microciclo semanal tornou-se muito mais evidente. Na última experiência que tive, no Amora FC, estava presente em todos os treinos e as tarefas passavam pela elaboração do relatório de análise do adversário na semana anterior ao jogo (de forma a que estivesse pronto para o treinador analisar assim que acabasse o jogo que precedia), filmagem das unidades de treino e apontamentos dos momentos que deveriam ser cortados para serem mostrados no vídeo do plano de jogo (que era exibido no dia de jogo). A seguir a cada unidade de treino, cortava partes de cada exercício realizado para colocar na pasta da equipa técnica para que, no final da semana, tivéssemos um vídeo compactado com tudo o que se fez no microciclo que findara. No dia de jogo, tanto a jogar em casa como fora, era realizada ao intervalo uma análise de vídeo com os apontamentos que foram retirados na primeira parte, em função daquilo que era delineado como o plano de jogo e aquilo que estava a acontecer no jogo. A comunicação com o banco era uma constante e a anotação dos lances a exibir na pausa da partida eram decididos em conjunto com o resto da equipa técnica. Desta forma, eram ajustadas questões de comportamentos e posicionamentos na segunda parte que se traduziam numa melhor interpretação do binómio espaço-tempo pelos jogadores.            

                    

No processo de análise dos adversários, a minha primeira preocupação passa por perceber qual é ou quais são os sistemas táticos preferenciais. De seguida, do ponto de vista defensivo (da minha equipa) interessa-me perceber as dinâmicas ofensivas do adversário e quais são os jogadores preponderantes para que as mesmas sejam executadas: qual é o jogador que tem mais influência na ligação das etapas do jogo, qual é o jogador mais capaz de desequilibrar por fora ou de tomar boas decisões por dentro, por exemplo. Quais são os jogadores que, através das relações entre si conseguem fazer a equipa progredir no terreno e potenciar a criação de situações de finalização. No fundo trata-se de tentar antecipar as dificuldades que vão ser impostas pelo adversário para que estas não sejam efectivas em jogo. Acredito que, tapando os melhores caminhos do adversário, estaremos mais próximos de causar indefinição e consequente insucesso. A dose mínima entendo como o número mínimo de jogadores que penso que a minha equipa deve colocar, por exemplo, a pressionar na etapa de construção adversária. Perante uma construção a 2 com os DC´s, basta colocar 1 jogador a pressionar para conseguir trancar o jogo num corredor, garantindo eventualmente superioridade no nosso sector defensivo? Será mais favorável deixar a bola entrar num médio que tenha dificuldades em enquadrar-se com o jogo e que assim pode ser uma fonte de recuperação de bolas ou abrir um corredor lateral onde a relação entre jogadores não seja profícua? Se vamos condicionar para que o adversário opte por um jogo mais direto, temos capacidade para disputar a bola aérea e correr metros para trás com sucesso em função dos jogadores que o adversário coloca nessa zona? E acontecendo aquilo que é mais provável de acontecer a uma equipa com bola, que é a perda da posse, como é que a equipa está (des)equilibrada? Quais são os espaços que concede para que possa ser ferida em contra-ataque e como reage em função das zonas de perda da bola? Qual é o espaço onde posso colocar a minha referência para transição ofensiva, podendo esta abdicar de algum trabalho defensivo se estrategicamente for entendido como proveitoso na relação benefício-risco desta opção. Na perspectiva ofensiva, desde a etapa de construção, qual é a dose mínima de jogadores para ter qualidade na circulação e ligação de jogo, perspectivando o maior número de jogadores possível à frente da linha da bola, tentando garantir vantagens numéricas (com participação do GR) ou igualdades nos sectores mais adiantados se tiver jogadores com capacidade para provocarem a pressão adversária ou progredirem com bola. Aquilo que gosto é que todos os jogadores possam ser efetivos na construção (contabilizando o GR) e, sendo assim, só com uma pressão com o mesmo número de jogadores aos que estão no processo de construção haja “necessidade” de forçar a entrada no bloco adversário. Quais são os comportamentos do adversário em função da altura do seu bloco e que comportamentos podem ser potenciadores de debilidades identificadas? Os jogadores da minha equipa têm características promotoras de sucesso caso recorra a um jogo mais direto ou terei mais sucesso com “desencaixes individuais” de um avançado que surja no sector médio como “homem livre” e seja capaz de dar fluidez ao jogo da equipa. Como consigo garantir uma boa reacção à perda, partindo mais esta de bons posicionamentos ofensivos que da capacidade volitiva (também necessária) dos jogadores. As minhas sugestões dentro das equipas técnicas em que me insiro partem muito daquilo que acho serem as melhores respostas a estas perguntas que a observação do jogo me vai colocando.                                            

É neste Xadrez fascinante que me perco no tempo e me faz querer analisar e ver cada vez mais jogos para perceber as diferentes abordagens, perceber aquilo que são as intenções dos treinadores que desconheço mas que se são apresentadas quando as suas equipas entram em campo.

Não poderia acabar este texto sem agradecer a todos os treinadores e jogadores com quem me cruzei e aprendi ao longo deste meu curto percurso de analista, bem como ao Mortágua Futebol Clube que me deu a estabilidade e o tempo de aprendizagem suficiente para que pudesse retribuir de alguma forma. Aquilo que me deram será sempre maior do que aquilo que algum dia poderei dar. Um agradecimento também ao Amora FC, SAD que me abriu as portas na última época e me concedeu a oportunidade de conhecer um novo contexto. 


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