Bernardo Maia começou como treinador adjunto nos sub15 do São João de Ver, tendo logo nesse ano subido à 1ª Distrital. No seu percurso, sempre ligado ao clube, e onde passou por escalões de futebol de 7 e de 11, fez parte da equipa técnica dos sub19 que foi finalista vencido da Taça de Aveiro (19/20), para além de ter sido treinador adjunto dos seniores, tanto no Campeonato de Elite de Aveiro, como no Campeonato de Portugal (20/21). Atualmente, é treinador principal dos sub19 do São João de Ver, tendo na época transata atingido o 3º lugar da 1ª Distrital, bem como a final da Taça de Aveiro.
Apesar de não existir uma teoria que seja consensual no mundo do futebol, segundo a maioria dos investigadores deste desporto, bem como os demais intérpretes do mesmo, o jogo é composto por duas fases: a fase ofensiva e a fase defensiva. Inerente às fases do jogo estão cinco momentos: organização ofensiva, transição ofensiva, organização defensiva, transição defensiva e os esquemas táticos, também chamados de “bolas paradas” - este último terá sido o momento mais recente a ser adicionado aos demais, até porque é um momento cada vez mais alvo de estudo.
No quotidiano atual, no futebol em geral e principalmente nas novas gerações de treinadores, é dada bastante ênfase a uma fase do jogo, a fase ofensiva. No entanto, apesar de valorizarmos (eu e a minha equipa técnica) imenso também essa fase ofensiva, acreditamos que o sucesso estará mais perto de ser alcançado numa equipa que é capaz de ser forte, interpretar e produzir nos diferentes momentos de jogo, não fossem eles parte integrante deste jogo apaixonante, que é o futebol. Por muita relevância que atribuamos a um determinado momento do jogo - até porque pode claramente ser um traço daquilo que define uma equipa e consequentemente a ideia do treinador - o jogo deve ser visto como um “todo” e são esses diferentes momentos que o constituem.
Deste modo, por haver crença nesta filosofia do jogo é que vamos demonstrar, neste artigo, um pouco daquilo que são as ideias do trabalho desenvolvido por nós na última época (2021/22) ao leme dos sub 19 do S.C.S. João de Ver (1ª divisão distrital de Aveiro) na outra fase do jogo, a fase defensiva. Neste contexto, excetuando a fase preparatória da época, o microciclo padrão consistia em três treinos semanais (segunda, terça e quinta-feira), sendo que dois deles (o primeiro e o terceiro treino) eram realizados meio-campo de futebol de 11. Dado a que estamos a falar de um escalão de formação e de um clube que apenas dispõe de um relvado sintético de futebol de 11 para os demais escalões da sua formação, existem fatores de grande importância que nos levam a ajustar a progressão de um determinado momento em treino, muitas das vezes desviando-nos daquilo que pode ser a progressão ideal, são eles o número de treinos e o espaço de treino disponível.
Em primeira instância, é de extrema importância a definição de um objetivo principal para cada fase e consequentemente para os diferentes momentos do jogo. No que diz respeito à fase defensiva, o nosso objetivo consistia em recuperar a bola o mais próximo possível da baliza adversária. A partir daqui surge a definição de objetivos secundários e identificação dos princípios que se pretendem operacionalizar para cada etapa. Para além disso, a conciliação e potenciação das características dos atletas que tínhamos à disposição é fundamental para existir eficácia nas ações.
Em organização defensiva a equipa tinha como objetivo principal o mesmo da fase onde está inserido (fase defensiva). Organizávamos este momento em três etapas diferentes: 1- Impedir a construção do adversário (nosso setor ofensivo); 2- Impedir a criação de situações de finalização do adversário (nosso setor médio); 3- Impedir a finalização do adversário (nosso setor defensivo).
No que diz respeito à etapa nº1 – Impedir a construção do adversário – a equipa perfilava-se num sistema tático 1x4x4x2 clássico e a postura passava por adotar um comportamento de pressão alta, importa destacar que em 88 golos marcados para o campeonato, cerca de 77% dos mesmos foram obtidos através de uma recuperação de bola efetuada no setor médio ofensivo ou setor ofensivo, ou seja, no meio-campo adversário. Visto que apresentamos bastante eficácia nesta etapa da organização defensiva, faz sentido a demonstração de como procuramos passar a informação para os atletas e, o mais importante, a forma como treinamos.
Tendo em conta este panorama, o primeiro passo quer em treino quer fora dele passava por fazer com que existisse uma identificação dos atletas com aquilo que eram os indicadores (ou “gatilhos”) de pressão. Os indicadores eram: Mau passe entre atletas adversários; Bola aérea; Receção de bola deficiente por parte do adversário; Receção de bola por parte do adversário sem que os seus apoios estejam voltados para a frente ou seja, estão voltados de forma parcial ou completa para a baliza adversária.
Numa fase inicial de treino, tendo em conta a etapa que estamos a explorar, os indicadores de pressão são o alvo principal. Para isso, pegando num exercício exemplo (figura 1) para essa situação, definimos um espaço e dentro desse mesmo espaço estão três equipas distintas de 3 atletas cada, onde duas dessas equipas (amarela e azul) estão em posse de bola a dois toques (para promover maior número de perdas de bola) e têm como objetivo fazer dez passes consecutivos, entre si, para conseguirem obter um ponto. Já a equipa vermelha (equipa para onde deve estar virado o foco principal) deve procurar impedir a posse de bola das outras duas equipas e sempre que recuperar bola, procurar ligar em passe numa das quatro mini balizas que estão exteriores ao espaço delimitado, obtendo assim dois pontos – a ideia é valorizar através desta pontuação as ações que pretendemos, isto é, aplicação dos indicadores de pressão para recuperar a bola.
Progredindo a partir da situação anterior, seguia-se para uma situação mais macro, isto é, uma situação de jogo mais aproximada à que vão enfrentar em jogo real tanto em espaço de exercício como em nº de atletas, mas com ênfase na etapa em questão (figura 2). Neste exercício pretendia-se que os atletas aplicassem, em contexto de jogo, os indicadores de pressão, atrás referidos, em conjunto com a sincronização de movimentos de pressão (quem é que pressiona, em que momento e em que zona/homem). Para isso, defrontavam-se duas equipas, a equipa azul que simulava o adversário na etapa de construção de jogo tinha como objetivo fazer golo em passe nas mini balizas. A outra equipa, a vermelha, simulava a nossa equipa e os comportamentos que pretendíamos adotar na pressão alta, o objetivo desta passava por recuperar a bola e fazer golo na baliza defendida pelo GR. À medida que os comportamentos estavam a ser assimilados, a construção da equipa azul iniciava-se mais à frente no terreno, até para introduzirmos novos desafios à pressão que pretendíamos efetuar.
Figura 2: GR+6x7
Em terceiro lugar, seguindo assim a progressão daquilo que é a pressão e assimilando toda a informação adquirida nos exercícios anteriores, procuramos colocá-la em prática numa situação de jogo ainda mais aproximada à de jogo real (figura 3). E o mais aproximado possível é utilizando as dimensões de jogo reais (campo inteiro) e com o nº de atletas que habitualmente se encontra numa partida (22 atletas). Ou seja, situação de jogo simulada, GR+10x10+GR, onde a bola sempre que saía do terreno, o jogo reiniciava-se com pontapé de baliza ou numa construção já mais adiantada, para a equipa que teria direito à posse de bola. O objetivo, no exercício, de ambas as equipas é chegar ao golo que valia por 1, no entanto se esse golo fosse originado por uma recuperação de bola através da pressão alta, valia por 3.Concluindo então e pegando no título e objetivo principal deste artigo, para nós a fase defensiva é de importância vital, independentemente das ideias que tenhamos para o nosso modelo de jogo. O que demonstramos aqui é, um exemplo, de que realmente o jogo de futebol sendo caracterizado como um “todo”, as partes integrantes do mesmo são muito importantes para estarmos mais perto do sucesso, isto é, para chegarmos frequentemente ao golo (objetivo máximo do futebol) é importante também estarmos preparados para não os sofrermos e recuperarmos o mais rápido possível a bola para aí sim, darmos sustento a essa fase ofensiva do jogo.
No entanto, não sabemos se esta forma de trabalhar a fase defensiva é a ideal para qualquer contexto. Simplesmente, trouxemos um exemplo contextualizado onde realmente este tipo de trabalho trouxe alguma eficácia, pelo menos estatisticamente, como já referido anteriormente. Se assim foi, fazia sentido para nós, a demonstração de um pouco daquilo que é a nossa forma de ver treino (ainda que um pouco redutora), da forma como o conceptualizamos e da forma como o potenciamos para consequentemente tirar o melhor dos jogadores que temos à disposição.
Obrigado!
Parabéns pelo artigo!
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