Avançar para o conteúdo principal

Que medidas os treinadores poderão tomar para evitar resultados demasiado desnivelados nos escalões base do futebol de formação?


Nuno Mota iniciou o seu percurso em 2010 ao serviço dos sub10 da UC Eirense. Mestre em Treino Desportivo para Crianças e Jovens pela FCDEF-UC, já passou pela Escola Academia Sporting de Coimbra, pelo RC Brasfemes e pela Academia de Futebol N10 até chegar à Académica OAF. Aí, já orientou os sub 11 e sub16, sendo atualmente o treinador adjunto da equipa sub19.

O futebol será sempre alvo de discussão, discórdia e conflito de opiniões pela sua importância e carga emocional.
Todos gostam de futebol, todos vêem futebol, todos querem falar de futebol e todos percebem de futebol, à sua maneira obviamente. Hoje em dia, os temas mais debatidos no mundo desta modalidade, em particular do futebol de formação, é a falta de competitividade e a capacidade dos grandes clubes constituírem muitas equipas nos seus escalões de base, com os atletas mais talentosos, e, em contrapartida, dos clubes mais pequenos (bairristas ou locais) não terem capacidade para o fazer. Como consequência destes fatores, a taxa de sucesso de uns e de insucesso de outros tende a aumentar, levando a médio/longo prazo que muitos dos atletas dos clubes ditos “pequenos” tendam a desistir da modalidade. A verdade é que a competitividade se incentiva em cada sessão de treino, em cada exercício ou em cada feedback dado a um atleta, no entanto, há algo que me tem levado a refletir quanto à competitividade das competições, em particular, nos escalões de futebol 7: - De que forma os treinadores podem evitar resultados volumosos de 18-0, 22-0, 30-0, etc. como ocorre todos os anos nos escalões de iniciação sem que as Associações de Futebol tomem medidas? - De que forma podem os treinadores condicionar a prestação dos seus atletas perante uma equipa com menor valências, sem os castrar ou conduzir as suas acções no terreno? - De que forma se deve comunicar com os atletas, para que não se sintam prejudicados pela decisão do treinador estar a mexer com a estrutura normal do jogo de futebol? A verdade é que temos visto cada vez mais exemplos de treinadores que iniciam o jogo com menos um atleta por respeito ao adversário que só se consegue apresentar em campo com 6 jovens (7x7), ou que tomam essa decisão no decorrer do jogo por lesões de adversários e falta de atletas no banco contrário. Vou acreditar que a maioria das vezes o fazem por achar que estão a fazer o mais correcto e formativo, embora, na minha opinião, por vezes, seja apenas uma garantia de boa imagem nas redes sociais. Mas não é destes casos que venho falar neste artigo, mas sim do que um treinador de futebol de formação poderá fazer de forma a garantir a competitividade em contexto de treino (interna) e a competitividade em contexto de jogo (externa). Assim, com carácter meramente sugestivo deixo algumas ideias para potenciarmos o sucesso de todos, os nossos atletas mas também os da outra equipa, para a curto/médio prazo termos competições mais fortes ao nível técnico e táctico, jogos mais emotivos, mais alegria seja qual for o resultado final da partida, mais jogadores criativos e inteligentes, atletas autónomos e convictos, tranquilos e despreocupados com as amarras que muitos treinadores, por vezes, tendem a colocar (…levando um comando de Playstation para o campo de futebol, sincronizando todos os movimentos dos seus atletas): 1) Criar grupos de nível dentro do próprio plantel (elementar, intermédio, avançado p.e.). Esta medida não é estanque, podendo qualquer atleta saltar de grupo de nível ao longo da época, consoante a sua evolução e comportamento em treino e jogo. Para além disso, esta ferramenta permitirá ao treinador pré-conceber as convocatórias para os jogos mais competitivos e para os menos competitivos, permitindo que todos cresçam num ambiente em que todos tenham sucesso; 2) Cada atleta deve jogar pelo menos 15/20 minutos nos jogos em que é convocado. Mais tempo de prática vai dar mais experiências ao atleta e a longo prazo a evolução será mais harmoniosa. É natural que os atletas mais competentes joguem mais tempo mas esta medida permitirá ao treinador gerir melhor as expectativas não só de atletas mas também de pais, garantindo que todos joguem bastante tempo num clima que é benéfico em todos os parâmetro da formação desportiva; 3) Garantir que ao longo da época todos os atletas passem por várias posições no campo, permitindo que tenham estímulos diferentes: visão panorâmica, relação com a bola com os dois pés, ver o jogo de frente/ jogar mais vezes de costas, interpretar a pressão, etc. É natural que as características dos atletas vão definindo ao longo do tempo em que posições o jovem atleta tem mais sucesso, no entanto, ao passar por várias posições, o atleta estará preparado para qualquer eventualidade futura. Quando no processo de aprendizagem, as ideias e objetivos estiverem adquiridos, é bastante relevante que os atletas continuem a passar por, pelo menos, duas posições, podendo a rotação ser realizada em jogos diferentes; 4) Passar valores de ética e fair-play desportivo para os atletas para que nunca entrem numa espiral de gozo e humilhação do adversário, seja em que contexto for! No entanto, o principal foco desta intervenção está numa medida que eu considero essencial ao longo de um jogo de futebol de formação.

Quando o jogo se torna demasiado fácil, com muitos momentos de sucesso para a equipa, os treinadores, normalmente, optam ou por retirar os atletas mais competentes em prol de outros em níveis mais introdutórios ou, por outro lado, optam por, involuntariamente, castrar muitas vezes algumas ideias da própria equipa e características dos próprios atletas através de mensagens tais como “defende e pressiona só no nosso meio-campo defensivo” ou “joga só com o pé não dominante/finaliza só com o pé fraco”. Em tempos também defendi estas ideias, até perceber das reais consequências negativas das mesmas. Ao tomar estas medidas o treinador está a modificar o ADN da sua equipa e de cada um dos atletas. Atletas que, por exemplo, tenham a bola preparada para rematar de pé direito estão condicionados para realizar um ajuste de forma a rematar com o pé esquerdo ou equipas cuja pressão é feita logo na saída de bola do adversário têm o seu treinador a pedir para deixar avançar até à linha de meio-campo. Assim, a minha sugestão para este tipo de acontecimentos é a de que a partir do momento que um jogo de futebol de formação em escalões em até aos sub-13 e em que o jogo comece a ficar extremamente desnivelado (8-0, 9-0, 10-0, etc.) o treinador opte por retirar um jogador de campo. Esta iniciativa trará vários benefícios, tais como: 1) Permitir que a equipa mais limitada tenha mais um jogador em campo, tendo sempre “homem-livre” para jogar e chegar mais vezes a zonas de finalização, podendo, consequentemente ter mais sucesso; 2) Permitir ao treinador da equipa em vantagem no resultado não abdicar das ideias ofensivas e defensivas que tem trabalhadas e potencializadas; 3) Permitir ao treinador da equipa em vantagem no resultado potenciar mais momentos de organização e transição defensiva que não teriam jogando de igual para igual; 4) Potenciar uma maior dinâmica ofensiva, movimentações para jogar, buscas de espaços livres, entre-ajuda entre os jogadores de campo da equipa em vantagem no resultado; 5) Permitir ao GR entrar no escalonamento da equipa em organização ofensiva potenciando a sua noção enquanto jogador de campo e o seu jogo de pés (nunca se sabe se ele não quererá mudar de posição no futuro) garantindo a igualdade numérica em relação a jogadores de campo. Esta medida deve ser transmitida aos atletas de forma a estarem preparados e consciencializados da mesma para que não se sintam prejudicados a meio da partida. O treinador poderá optar por apenas retirar um atleta do campo como, por exemplo, aproveitar um momento de substituição e retirar dois atletas e fazer entrar apenas um. No início da 2ª parte ou no final da partida deve haver uma conversa com o treinador da outra equipa de forma a evitar mal-entendidos relativos a menosprezo ou falta de fair-play. É uma medida benéfica para ambos e deve ser bem explicada a todos os agentes do jogo. O objetivo é que todos os agentes desportivos tenham sucesso, se sintam motivados na modalidade que escolheram e que possam potenciar cada vez mais as suas características técnicas, tácticas, sociais e psicológicas. Bom trabalho!

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Futebol: Como Criar e Treinar um Modelo de Jogo

O texto que se segue é parte transcrita do livro: Futebol Como criar e treinar um modelo de jogo “No mais simples e recôndito sítio onde se joga um jogo de futebol, está escondido um fenómeno complexo de relações e ações. Curioso será perceber que estas relações e ações poluem a perceção e conhecimento possível sobre este mesmo jogo.   Independentemente das caraterísticas do jogo consideramos que é fundamental ter conhecimento sobre a lógica do jogo, os seus princípios estruturais, para através das ferramentas que o treinador tem à sua disposição fazer crescer os homens que jogam.''  António Barbosa esteve esta época ao serviço da equipa sub-23 do FC Famalicão antes de rumar ao CD Trofense. Na formação, treinou no clube onde se encontra actualmente, e também no Vilaverdense F.C. entre outros clubes, batendo vários recordes em diferentes equipas. Na época 2015/2016, venceu ao serviço da Prozis Academy a Série B da 1ª Divisão da AF Braga, subindo de divisão e

Jogar contra a idade com competência

Ricardo Afonso tem 23 anos. É treinador UEFA B e licenciado em treino desportivo. Conta já com 8 anos de experiência entre futebol de formação e futebol sénior. Na época 2020/2021, foi treinador adjunto do Sporting Ideal. Na época seguinte, assumiu o comando do GD São Roque, dos Açores, tendo-se estreado com 22 anos como treinador principal na Taça de Portugal, no jogo GD São Roque - SC Farense. Acredito que no futebol só pode existir um sentimento, uma ideia... Ganhar! Todos procuram ganhar, todos procuram a positividade seja em que contexto for, esse fator é a parte fácil da questão... A conquista do grupo e dos adeptos, a liderança sobre o grupo, o estado de espírito, o implementar de uma cultura de vitória e exigência diária, as motivações e ambições e expectativas de todos é a parte desafiante. Acredito que a minha passagem pelos Açores foi extremamente desafiante, aos 22 anos integrar uma equipa técnica de Campeonato de Portugal em zona de descida onde era preciso ganhar e depois

A importância da fase defensiva

Bernardo Maia começou como treinador adjunto nos sub15 do São João de Ver, tendo logo nesse ano subido à 1ª Distrital. No seu percurso, sempre ligado ao clube, e onde passou por escalões de futebol de 7 e de 11, fez parte da equipa técnica dos sub19 que foi finalista vencido da Taça de Aveiro (19/20), para além de ter sido treinador adjunto dos seniores, tanto no Campeonato de Elite de Aveiro, como no Campeonato de Portugal (20/21). Atualmente, é treinador principal dos sub19 do São João de Ver, tendo na época transata atingido o 3º lugar da 1ª Distrital, bem como a final da Taça de Aveiro. Apesar de não existir uma teoria que seja consensual no mundo do futebol, segundo a maioria dos investigadores deste desporto, bem como os demais intérpretes do mesmo, o jogo é composto por duas fases: a fase ofensiva e a fase defensiva. Inerente às fases do jogo estão cinco momentos: organização ofensiva, transição ofensiva, organização defensiva, transição defensiva e os esquemas táticos, tamb