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O papel do Treinador na (de) formação do jogador de futebol


Fábio Santos começou o seu percurso na formação do FC Pedroso, passando ainda pelos escalões jovens do FC Porto, onde chegou a ser coordenador da Dragon Force em Grijó e treinador no Canadá, antes de chegar aos Benjamins do SC Braga, cargo que atualmente ocupa.

Formação, segundo o dicionário, é “dar forma” e, adaptando esse termo ao futebol, urge sintetizar/concretizar o que queremos formar: modelo de jogador. Que tipo de jogador preconizamos, que tipo de jogador seria para nós “perfeito” (se é que ele existe).
Simplificando, não é mais do que definir um destino/meta à qual queremos chegar (será o jogador de futebol algo finito?)
Essa definição de modelo de jogador deve de ter em atenção várias vertentes que o irão constituir como um todo.
     
      Físico (dentro do que é controlável) – Capacidades condicionais e/ou coordenativas, podendo aqui ir pelo caminho daquilo que é o controlável (capacidades condicionais e coordenativas) e o incontrolável (maturação, desenvolvimento), e por esse motivo será sempre uma vertente condicionada pelo desenvolvimento de cada jogador. Por norma, aqui, ter jogadores fortes, resistentes e velozes parece ser uma prioridade para os treinadores. De reforçar aqui o papel do treinador no controlo das intensidades do treino e de ser capaz de “mexer” nas suas variáveis no sentido de potenciar determinado tipo de contrações (em predominância e nunca em exclusividade).
·       Psicológico/Social – O perfil do jogador é extremamente importante, onde se sabe que este depende muito do ambiente social/familiar onde está inserido. Por norma, procura-se ter jogadores altamente focados, empenhados, coletivos, resilientes e criativos.
·       Técnico – Revela as capacidades e o nível de facilidade com que o jogador se relaciona com o próprio corpo (saltar, baixar, rodar) e com a bola (capacidade de utilizar as várias partes do corpo, onde é capaz de colocar a bola). Quanto mais e melhores os graus de liberdade apresentados, maior será a propensão para uma melhor relação com a bola e consequente aumento da capacidade de executar ações como passe, receção, condução, finta, remate. Ações estas que são (deverão ser) precedidas de tomada de decisão (melhor ou pior).
·      Tático – Capacidade ou incapacidade de analisar o contexto de jogo, onde se contempla a bola, a baliza (a nossa e/ou a do adversário), jogadores da própria equipa (perto, longe, muitos ou poucos) e os jogadores da equipa adversária. Analisando tudo isto (e muito mais), urge uma tomada de decisão sempre influenciada pelas 3 vertentes abordadas anteriormente. Por norma, posicionamento, noção de estar livre, reconhecer espaços vantajosos, reconhecer noções de “perigo” (se existir na formação) e segurança.
Com isto, posso afirmar que o jogador (aquele que joga) é e terá de ser o foco do treinador para o desenvolver, melhorar e formar. Dar-lhe “forma” através de conteúdo. Ainda não referi a equipa, não por lapso, mas porque se não conseguirmos focar a nossa atenção NO JOGADOR nesta fase tenra de aprendizagem, podemos correr o risco de ter preocupações muito precoces com a equipa, com a forma de jogar dela, e com isso “esquecer” que dentro de cada jogador há uma necessidade muito personalizada de desenvolver o talento, que não se desenvolve com padrões unicamente coletivos.
Entrando pela “equipa”, composta por vários jogadores, sou da opinião de que esta deverá ser desenvolvida após um conhecimento profundo e vasto dos jogadores que a constituem, e desta forma ser capaz de criar um destino final – MODELO DE JOGO. Aqui entra sempre alguma subjetividade, um possível conflito entre o modelo de jogo do treinador e o do clube, e por isso deverão existir escolhas/cedências/ajustes/melhorias de ambas as partes, no sentido de desenvolver o talento existente.

Fábio Santos

Independentemente do caminho a seguir e da forma como se irá desenvolver e dar conteúdo ao modelo de jogo em treino, através da metodologia de treino, acho importante tocar sobre alguns aspetos inerentes à ação do treinador, o líder e condutor do processo formativo dos seus jogadores.
O treinador deve procurar a valorização do seu jogador e da sua equipa – onde todos os planeamentos e as ações se direcionam para a evolução da própria equipa, em melhorar a tomada de decisão, os posicionamentos, e não para o foco com os outros, como anular o adversário, por exemplo. Afirmo que o lado estratégico é muito importante no jogo de futebol, mas não considero que seja assim tão importante em jogos de futebol de formação, porque em vez de termos uma ideia de jogo, passaríamos a ter apenas e só uma anti-ideia, o que nos leva a ter uma equipa sem conteúdo e dependente daquilo que outros possam apresentar em campo. Sendo o jogo de futebol tão imprevisível, e com partidas de atletas com idades ainda baixas, maior imprevisibilidade nos pode trazer, e dessa forma corremos um sério risco de ter uma ideia dependente dos outros e por isso desfocar os nossos jogadores e a nossa equipa das ideias do treinador. Acredito que por incapacidade de “trilhar” este caminho tão pessoal, se tenta colmatar essa falta de criatividade e coragem com o contrariar o que outras equipas possam mostrar em campo. Isso pode trazer um desafio, mas considero este apenas momentâneo e altamente incoerente com aquilo que possa ser a semana de trabalho. Passar uma semana inteira (ou mais) a treinar como anular os outros, não será um pouco contraditório? Não será mais prazeroso reconhecer os pontos fortes e menos fortes do adversário, e segundo a ideia que preconizamos, desenvolver os comportamentos de forma a poder tirar alguma vantagem? Não será aí um bom momento de avaliar se realmente a nossa ideia é forte o suficiente para resolver os problemas que o adversário nos coloca? O que defendo é assumir a dificuldade e tentar superá-la dentro daquilo que é o registo da sua equipa, e não contornar o obstáculo e optar por “ferramentas” até então não desenvolvidas e utilizá-las só porque nos trará sucesso naquele jogo naquele momento. Até porque ao optar por mudar radicalmente a forma de jogar, não estaremos a valorizar o adversário em demasia? Não será uma demonstração de que não temos ideia ou de que não acreditamos verdadeiramente naquilo que idealizamos? Se não temos ou se não acreditamos, porque supostamente as treinamos? Será que treinamos?
É precisa paciência, dar tempo para errar, para os jogadores absorverem os comportamentos que são pretendidos, utilizar o erro para o explicar e ajudar a encontrar novas soluções para o problema que possa estar a surgir. Utilizar uma correção contextualizada (Quando? Onde? Como? Porquê?) e não a proibição (Não podes, Não faças…) ou limitação (Só podes … ), valorizar e reforçar positivamente o que é “bem feito”.
Fazer uso da descoberta guiada, porque é intuitiva para ajudar e para o próprio jogador perceber e descobrir novos caminhos para resolver os problemas que o jogo possa trazer.
Resultado? Esse para mim é apenas um número. Algo que não espelha se o processo está a evoluir ou não porque há uma série de aspetos não controláveis que podem descredibilizar o resultado, tais como: jogar anos acima ou anos abaixo, adversários serem de nível muito inferior ou superior ao nossp, etc. Por isso, o resultado deve ser sim interpretado com base no jogo, o que realmente ocorreu no jogo e aí sim perceber se o conteúdo que vamos dando ao longo da semana foi aprendido ou não e se foi colocado em prática ou não.
Em suma, pela responsabilidade que coloco no treinador, considero-o essencial para a evolução do jogador e da equipa, e dessa forma, tentei expor uma série de ideias pessoais com origem na prática e no exercício das funções de treinador e de treinador-adjunto nos vários contextos onde já pude estar inserido. Posso afirmar que quando o contexto era o mais difícil ou possivelmente o menos motivador, foi quando senti que menos sabia e por esse motivo tive de desenvolver uma série de capacidades para poder ser útil na evolução dos jogadores. Esses desafios fizeram-me crescer e evoluir enquanto treinador e por esse motivo hoje sinto-me melhor treinador, mais útil, mais eficaz.
Julgo que todos os aspetos tocados neste texto podem ser passíveis de aplicação em todos os contextos futebolísticos, sempre com as suas particularidades. Não garante sucesso, mas irá garantir coerência. Não há nada melhor do que dar sentido ao que fazemos e de orientar o nosso trabalho para o melhor caminho, para depois recolher os frutos desse mesmo trabalho.

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